16 de mai. de 2012

O complexo da "Era de Ouro"

Fiqui apaixonada por "Meia-Noite Em Paris" mesmo vendo na primeira fileira do cinema com a cabeça inclinada 90º para trás. Uma semana depois voltei para rever. É certamente um dos meus filmes favoritos de um dos meus cineastas favoritos. Muito já foi dito sobre o filme, ainda mais depois que concorreu ao Oscar de Melhor Filme e Melhor Diretor, e ganhou o merecido Oscar de Melhor Roteiro Original. Mas revendo-o hoje, percebi que o principal do filme foi, talvez, o mais esquecido. Pararam para apreciar tantos detalhes dessa obra-prima que não entenderam a crítica que Woody Allen fez questão de expressar com todas as palavras. E é disso que venho falar.

Caso você não saiba, o filme é sobre um roteirista americano, Gil Pender (Owen Wilson), que viaja com a noiva, Inez (Rachel McAdams), e os sogros para Paris. Enquanto Inez e os pais não ligam muito para a cidade, Gil é apaixonado pela Cidade Luz e, durante a sua estadia, procura inspiração para seu livro. Dessa forma, ele acaba viajando no tempo até os anos 20, a época de ouro da sociedade para ele, e conhece vários artistas que tanto o inspiram como Hemingway, Scott e Zelda Fitzgerald, Salvador Dalí, Buñuel, Gertrude Stein, Picasso... E conhece também Adriana (Marion Cotillard), por quem acaba se apaixonando, fazendo-o repensar seu noivado e até se deveria viver no passado. (Alerta de SPOILER caso você não queira saber o final) Tudo parece caminhar para um final feliz entre os dois até que eles acabam viajando ainda mais ao passado e chegam a 1890, durante a Belle Époque, a época de ouro para Adriana. É quando Gil finalmente entende que não pode se prender ao passado e volta ao presente.

Acho essa cena de discussão ente Gil e Adriana a mais importante do filme, e não só para a trama, mas para nossa vida. Parece banal, mas atualmente vivemos demais com esse mesmo complexo. Quantas vezes você mesmo pensou que o cinema, a música, a literatura ou mesmo a programação de TV atuais são um desastre e que antigamente tudo era melhor? Quantos amigos seus não gostariam de ter nascido em outra década? Eu mesmo pensei assim diversas vezes. E é sobre isso que Woody Allen nos alerta tão claramente no filme.

Da mesma forma que o protagonista, sonhamos com outra época porque não vivemos nela. Conhecemos apenas as coisas boas, lembranças que perduram até os dias de hoje. Porém, os detalhes do cotidiano não chegam até nós com facilidade. Pior ainda é ter que retroceder. Imagine apenas viver sem computadores e sem internet. Para isso precisaríamos voltar menos de 20 anos no tempo. Agora, imagine viver sem televisão, ou até mesmo cinema, telefone, fotografia, eletricidade. Esse seria o caso para aqueles sonhadores que imaginam viver na França pré-revolucionária como eu, por exemplo. E isso sem nem falar em questões de costumes, organizações sociais, econômicas e políticas, que mudam radicalmente.

A verdade, e que Gil explicou muito bem, é que assim que voltássemos ao passado e assumíssemos uma vida naquela época, a rotina voltaria para deixar tudo tão "tedioso" quanto o nosso presente parece. É fácil imaginar apenas os bons momentos, mas a vida, mesmo em outra época, não seria apenas diversão. Tudo que você faz agora teria que fazer no passado, como estudar e trabalhar, e seria ainda mais difícil por causa da adaptação à falta de tecnologias comuns, mas essenciais para nós, e a mudança de costumes.

Porém, podemos chegar a uma boa lição disso. Se atualmente parece que, culturalmente (e talvez política e economicamente também, por que não?), tudo que é produzido é ruim, posso garantir que antigamente também havia coisas de baixa qualidade. Mas o que chegou até nós não foram as coisas boas? Podemos então esperar que nossos filhos, netos, bisnetos, etc também herdem o lado bom da nossa geração. E espero que as gerações futuras percebam que não é bom se prender demais ao passado e aproveitem aquilo que a geração deles tem a oferecer de bom também. Pode ser clichê, mas o presente é rápido demais para não prestar atenção nele.

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